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O capitalismo como problema comum

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O Capitalismo como problema comum

texto por

Mirian Kussumi

10-15 minutos de leitura

   A liberdade do pensamento filosófico repousa em sua atividade especulativa, reflexiva, criativa. Entretanto, tomar a filosofia como uma criação ex nihilo, espécie de geração espontânea puramente teórica sem qualquer amparo no real, seria o mesmo que lhe conceder uma fundamentação quase divina, tornando-a a pior versão de si mesma: uma atividade abstrativa legítima por si só, insubstancial, sem contexto e sem possibilidade de crítica. Nesse ponto, retendo os termos de um dos maiores críticos das formulações metafísicas, cabe a pergunta, quais seriam as condições (históricas e sociais) de um movimento filosófico? É com esse pergunta em nosso horizonte que buscamos analisar aquilo que se entende como problemas identitários – se quisermos nos vincular a uma tradição anglo-saxã – ou ainda como questões sobre a différence – caso o leitor seja mais propenso a um francofilismo.

 

 

   Desse modo, o que poderíamos apontar do contexto em que tais movimentos emergiram e floresceram? O mundo ocidental do pós-guerra, dentro do recorte do que se convencionou chamar de países centrais, foi marcado pelo rótulo de Estado de bem-estar social, consolidado em cima de um capitalismo planejado e regulamentado politicamente pelo Estado e pautado por políticas sociais distributivas que não só permitiam um consumo em massa, mas também uma segurança fundamentada em serviços públicos universais. É o parâmetro universalista que anima a fundamentação dos direitos relacionados às democracias liberais, mas também o mesmo que está na base de lutas tradicionalmente trabalhistas orientadas à igualdade no que se refere à classe trabalhadora enquanto massa da população.

 

 

   A partir da década de 70, esse cenário se modifica radicalmente na medida em que há um desvio no descontentamento geral – questões de cunho econômico, voltadas para problemas distributivos e do mundo do trabalho, se transformam em problemas de ordem política e sócio-culturais, colocando em xeque não apenas o estatuto de concepções como trabalho e riqueza, assim como de uma política partidária tradicional, mas também o universalismo em si, ou seja, enquanto critério normativo que tem como princípio o apagamento de singularidades e diferenciações. Trazer tais reivindicações à tona significou positivamente a rejeição do ocidente como centro civilizacional e de hegemonia. Além disso, também manifestou o diagnóstico do poder político enquanto controlador e administrador, e que bloqueava uma participação política mais efetiva [1]. Negativamente, contudo, significou também tomar certos direitos como garantidos e naturalizar a prosperidade material do estado de bem-estar social. Ao fim e ao cabo, subestimou-se a capacidade do capitalismo de se reinventar, sem prever que seguido a essa fase planejada, controlada pela política, almofadado com políticas públicas de amparo e proteção, vinha a sua face mais terrível, o capitalismo financeiro, comumente conhecido como neoliberalismo.

 

 

   A transição entre essas duas variações de capitalismo, não só marcou uma mudança global radical, mas também já na primeira década desse século colocou em questão se seria realmente válido desviar o olhar de demandas do escopo econômico – aquelas que, justamente, passaram a ser taxadas como ortodoxas e economicistas. Pois, com efeito, a análise econômica havia cedido para o problema da política: abandonou-se a herança teórica marxista que pensava problemas como desigualdade material, condições de trabalho, reformas e exploração econômica. Essas foram substituídas por questões de cultura e identidade, falta de reconhecimento e representatividade, dominação simbólica e inclusão. Mas hoje, com o crescimento de uma extrema-direita que só faz avançar uma agenda neoliberal de corte de políticas públicas e assistencialistas, assim como de garantias materiais, vinculadas a um aumento extraordinário na concentração de riqueza e renda e um mundo do trabalho cada vez mais precarizado, informal e explorador, é possível dizer que problemas de tipo econômicos estão fora de cena?

 

 

   É para responder a esse conjunto de questões que buscamos apresentar três tipos de vertentes teóricas que não só dialogam com as mesmas diretamente, mas que também possuem uma clara inspiração marxista ao fazê-lo: 1. O feminismo marxista ou, pelo menos, que parte de um legado marxista; 2. A teoria do sistema-mundo, desenvolvida pelo grupo de pesquisa liderado por Immanuel Wallerstein e, por último, 3. Um conjunto analítico de teóricos que versaram sobre o capital financeirizado que se torna o sistema global desde a década de 80 até os dias de hoje e sua relação nos campos social e político. 

 

 

   1. Embora o feminismo marxista hoje tenha menos proeminência que outras variações como o feminismo decolonial e o feminismo negro, sua relevância se justifica por não abandonar o recorte racial ou desconsiderar as particularidades inerentes à divisão entre norte e sul globais. Principalmente na década de 70, o feminismo marxista terá como principal alvo o problema da reprodução social articulada enquanto trabalho doméstico não remunerado e invisibilizado [2]. Em uma visão imediata, o problema da manutenção da casa, da satisfação das necessidades do núcleo familiar e da reprodução sexual ganha objeções em virtude de seu caráter exploratório pouco reconhecido. Mas subjacente a isso, desenvolve-se um elemento crítico mais acentuado, na medida em que é a essa reprodução social que garante a própria capacidade de funcionamento do capitalismo. Mesmo não sendo incorporado na “equação final” do capital, é o trabalho doméstico operado por mulheres que assegura a subsistência real daqueles que performam um trabalho remunerado. Esse processo de tornar as mulheres donas de casa [3] , contudo, não significa que elas desempenhem apenas atividades domésticas, mas mesmo estando em um mercado de trabalho, suas ocupações são majoritariamente mal remuneradas, informais, de pouca ou nenhuma profissionalização e grande precarização. É aqui, principalmente que o feminismo marxista se funde com as preocupações decolonais e étnicas, uma vez que é esse tipo de atividade laboral que marca as periferias do capitalismo [4] , afetando sobretudo as mulheres negras, pardas, amarelas e indígenas – os grupos mais vulneráveis sob o ponto de vista global [5].

 

 

   2. A partir da diferença supracitada entre norte e sul globais, a teoria do sistema-mundo oferece uma análise do capitalismo enquanto economia-mundo com alcance praticamente planetário que é organizado pelos eixos de centro-semiperiferia-periferia. Para Wallerstein, o capitalismo se define como um sistema de acumulação cuja tendência ininterrupta é sua auto expansão, ou melhor, “a orientação da produção para a acumulação do capital via lucro realizado no mercado – esse mercado é, e sempre foi desde o começo, um mercado mundial” [6] . A condição fundamental para a perpetuação dessa auto expansão acumulativa é manter uma mesma divisão do trabalho, que organiza e secciona o mundo em zonas com respectivos papéis na produção e mercado [7] . Por conseguinte, mesmo apresentando um nível evolutivo de modo a deixar para trás o estado mercantil e industrial que marca sua forma nascente, mesmo que sua produção esteja mais otimizada, que sua commoditie principal [8] se diferencie, mesmo que o próprio conceito de classe [9] passe por uma complexificação e perca seu caráter internacionalmente homogêneo, o capitalismo persiste enquanto sistema. Ele varia e se transforma, mas sem perder sua
identidade enquanto economia-mundo. E é também o capitalismo que explica a gênese do racismo, pois é a expansão da economia-mundo capitalista centrada na Europa, ou seja, a expansão da própria Europa (leia-se colonização) que inicia a produção de categorias raciais sistematizadas e hierarquizadas. Isso quer dizer que não há diferenças étnicas antes do capitalismo? Não. Porém, essas diferenças se consolidam em posições específicas dentro da economia-mundo capitalista que, por sua vez, serão colocadas em uma lógica de hierarquia valorativa e de exploração. Assim:

 

A economia-mundo capitalista expandiu-se de sua localização inicial primeiramente na Europa, à medida que as concentrações dos processos de produção centrais e periféricos se tornavam cada vez mais díspares geograficamente, categorias ‘raciais’; começaram a se cristalizar em torno de certos rótulos… a raça, e portanto, o racismo, é a expressão, o promotor e a consequência das concentrações geográficas associadas ao eixo da divisão de trabalho[10].

 

 

   3. O último ponto a ser abordado diz respeito às considerações sobre o capitalismo financeiro, não necessariamente a partir do ângulo da crise, mas sobre as repercussões de tipo sociais e políticas dessa variante atual. Após uma profunda crise durante os anos 70, inicia-se o movimento geral em prol da desregulamentação de mercados – que se tornam cada vez mais centrados em transações financeiras distantes da economia real, no processo de transnacionalização corporativa com tendências globalizadoras e no endividamento em massa (tanto público quanto privado). São conhecidos os efeitos dessa transformação: aumento de desemprego, privatizações, surgimento de grandes corporações com poder de monopólio, acordos de trocas desiguais travestidos de livre comércio, expansão de crédito como paliativo para assegurar o consumo (um “Keneysianismo privado que, em última instância significa dívida particular [11] ) etc.

 

 

   Tais medidas não apenas geraram um desentendimento público sobre as decisões econômicas, pois elas estavam distanciadas da experiência real das pessoas (que em última instância não tinham o pleno conhecimento de medidas que impactariam diretamente suas vidas), mas ainda proporcionou o enfraquecimento no domínio democrático: quando a economia se desvencilha da política e se torna um campo absolutamente independente e sem capacidade de ser regulado, perde-se qualquer capacidade de reversão. Enquanto o estado de bem-estar social instrumentalizava a política para garantir a manutenção do capitalismo e evitar crises que desaguariam em uma anomia social, agora o capitalismo mantém a política como refém, tornando-a obrigada a dançar a música do mercado. As imposições de políticas de austeridade como corte em gastos públicos (sociais), às vezes com força constitucional ou mediante reformas, a prioridade no pagamento das dívidas públicas e bancos centrais independentes, apenas atestam a servidão da política que se curva ante a economia capitalista – a partir de mecanismos como lobby ou através da ameaça de redução de investimentos externos ou sanções.

 

 

   Como consolidação institucionalizada da impotência política, surge um “novo constitucionalismo” [12] como forma de aperfeiçoamento jurídico internacional que asseguram as práticas neoliberais baseadas na ideologia do livre-mercado. O sequestro da capacidade transformativa da política é o que nos deixa sem alternativa de impor rédeas às exigências do capitalismo: e é assim que se promove uma tendência cada vez maior de despolitização (pois, de fato, para que se engajar se no final nada se modifica?) unida à impotência de frear tragédias anunciadas. O abismo aberto entre capitalismo e democracia foi, desse modo, caracterizado por Wolfgang Streeck por:

 

o movimento em direção a uma política econômica cheia de regras, bancos centrais independentes e uma política fiscal assegurada contra resultados eleitorais; a transferência de decisões de política econômica para órgãos reguladores e “comitês de especialistas”; tetos de dívida consagrados na constituição que são legalmente obrigatórios para os governos nas próximas décadas, se não para sempre. No decorrer disso, os estados do capitalismo avançado devem ser construídos de tal forma que ganhem a confiança duradoura dos proprietários e movimentadores do capital, dando garantias críveis no nível da política e das instituições de que não intervirão “na economia” – ou que, se o fizerem, será apenas para proteger e fazer cumprir a justiça do mercado na forma de retornos adequados sobre os investimentos de capital. Uma pré-condição para isso é a neutralização da democracia, no sentido da social-democracia do capitalismo do pós-guerra, e a conclusão bem-sucedida de um programa de liberalização hayekiana[13] .

 

 

   O que a exposição desses pontos nos comprova? O que, de fato, une essas considerações teóricas distintas, cujos objetos de análise são também distintos, mas que contudo, parecem discutir o mesmo tema? Embora com perspectivas variadas, tais teorias convergem em um ponto único: a crítica ao capitalismo, não em sua realidade do século XIX, mas o capitalismo de hoje, no estágio histórico de nossos dias, em sua versão – que talvez seja a mais racionalizada, eficiente e sofisticada – do capitalismo financeirizado, de escala global, entendido sob o complexo ideológico do neoliberalismo [14] . E é aqui que encontramos um segundo denominador comum que intersecciona essas variações analíticas: a sua herança marxiana, pois embora as ideias apresentadas não reproduzam em uma completa fidelidade a obra de Marx e Engels, a releitura operada exposta impõe a indiscutível persistência e atualidade do diagnóstico do que seria o capitalismo.

 

 

   E mesmo que as categorias do Capital possam apresentar algum nível de inadequação conceitual se transferidas para o tempo de agora, mesmo que uma leitura estrutural e de causalidade direta entre base e superestrutura não seja mais apropriado para demandas de análise, mesmo que as noções de classe sejam infinitamente mais complexas do que estava previsto no dualismo proletariado versus burguesia, mesmo que o próprio proletariado enquanto grupo universal não esteja no lugar do vitorioso da história futura (pois, ainda podemos conceber a noção de vitória na história?), mesmo que o materialismo histórico ainda mantenha um resíduo finalista, ainda assim, sua atualidade se insere na evidência óbvia de
que o capitalismo persiste.

 

 

   E ele persiste porque é a raiz explicativa da desigualdade obscena de riqueza e renda, das relações desumanas de trabalho, do empobrecimento em massa e, inclusive da crise ambiental – o que não é muito difícil de compreender se considerarmos que o capitalismo é um sistema de acumulação auto expansivo e que, portanto, necessita de recursos infinitos que serão conquistados por medidas de extrativismo, expropriação e intensa exploração. Em suma, é o capitalismo que deve ser atacado e contra o qual as lutas e movimentos sociais precisam convergir. E em última instância, é o mesmo capitalismo cujas engrenagens, mecanismos dispositivos são mantidos e perpetuados e que possui a extraordinária capacidade de se reinventar garantindo uma sobrevida para além dos ciclos de expansão e crise. Ou seja, o capitalismo que se diferencia, sem perder a identidade.

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Mirian Kussumi

10-15 minutos de leitura

"com efeito, a análise econômica havia cedido para o problema da política: abandonou-se a herança teórica marxista que pensava problemas como desigualdade material, condições de trabalho, reformas e exploração econômica. Essas foram substituídas por questões de cultura e identidade, falta de reconhecimento e representatividade, dominação simbólica e inclusão. Mas hoje, com o crescimento de uma extrema-direita que só faz avançar uma agenda neoliberal de corte de políticas públicas e assistencialistas, assim como de garantias materiais, vinculadas a um aumento extraordinário na concentração de riqueza e renda e um mundo do trabalho cada vez mais precarizado, informal e explorador, é possível dizer que problemas de tipo econômicos estão fora de cena ?"

"Enquanto o estado de bem-estar social instrumentalizava a política para garantir a manutenção do capitalismo e evitar crises que desaguariam em uma anomia social, agora o capitalismo mantém a política como refém, tornando-a obrigada a dançar a música do mercado. As imposições de políticas de austeridade como corte em gastos públicos (sociais), às vezes com força constitucional ou mediante reformas, a prioridade no pagamento das dívidas públicas e bancos centrais independentes, apenas atestam a servidão da política que se curva ante a economia capitalista – a partir de mecanismos como lobby ou através da ameaça de redução de investimentos externos ou sanções.".

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NOTAS:

[1] Aqui podemos, por exemplo, perceber um ponto de contato entre autores como Foucault e Habermas.


[2] Cf. DALLA COSTA, Mariarosa; JAMES, Selma. The Power of Women and the Subversion of the community. London: Butler and Tanner, 1972.


[3] Esse processo foi definido por Maria Mies como “Housewification”, que retoma a divisão dualista da mulher como mantenedora da casa, restrita ao âmbito privado e ao trabalho doméstico e que se contrapõe, assim, ao trabalho assalariado e formal, que fornece a renda
familiar, performado pelo homem, o “ganha pão”. É essa divisão, que inclusive determina as mulheres a uma condição de dependentes financeiramente dos homens é o que molda a divisão sexual do trabalho. Cf. MIES, Maria Patriarchy and Accumulation on a World Scale.
London: Zed Books, 1986, p. 69.


[4] Embora esse tipo de trabalho tenha sido associado primeiramente ao trabalho feminino, entendido pela chave da ocupação da “dona de casa”, é importante notar que ele se expande como modelo de trabalho típico de toda a periferia capitalista. Desse modo: É por isso que todo trabalho só pode ser entendido do ponto de vista do trabalho doméstico – que vem de baixo – e não do ponto de vista do trabalho assalariado. Basicamente, o trabalho doméstico, não o trabalho assalariado, é o “modelo” de trabalho no capitalismo. Todas as pessoas no sistema capitalista são, é claro, potencialmente trabalhadores assalariados, mas na realidade são donas de casa, um exército industrial de reserva, excedente populacional relativo, relativo, isto é, em relação ao trabalho assalariado existente” (WERLHOF, Claudia. The Proletarian is Dead! Long live the Housewife. In: BENNHOLDT-THOMSEN, Veronika; MIES, Maria; WERLHOF, Claudia. Women: The Last Colony. London: Zed Books, 1988, p. 176).


[5] “A terrível situação da maioria das mulheres do “Terceiro Mundo” não é um resquício de sistemas arcaicos de patriarcado, ou um sinal de atraso e subdesenvolvimento: ao contrário, é um sinal e produto do desenvolvimento moderno. As posições das mulheres nos países em desenvolvimento e nos países industrializados estão cada vez mais próximas: mas para as mulheres nos países em desenvolvimento, isso significa um empobrecimento absoluto” (BENNHOLDT-THOMSEN, Veronika. Why do Housewives continued to be created in the
Third World too, In: BENNHOLDT-THOMSEN, Veronika; MIES, Maria; WERLHOF, Claudia. Women: The Last Colony. London: Zed Books, 1988, p. 159).

 

[6] WALLERSTEIN, Immanuel. The Capitalist World-Economy. New York: Cambridge University Press, 1979, p. 120.


[7] “Por um lado, a economia-mundo capitalista foi construída sobre uma divisão mundial do trabalho na qual várias zonas dessa economia (aquela que denominamos centro, semiperiferia e periferia) receberam papéis econômicos específicos, desenvolveram diferentes funções de classe, consequentemente usaram diferentes modos de controle do trabalho e lucraram desigualmente com o funcionamento do sistema” (WALLERSTEIN Immanuel. The Modern World-System. New York: Academic Press, 1974, p. 162).


[8] Cf. KARATANI, Kojin. Neoliberalism as a historical stage. In: BARGEN, J. et al. The Radical Left and social Transformation. New York: Routledge, 2019.


[9] Sobre o desenvolvimento do que seria a burguesia, desde seu aparecimento até a contemporaneidade, Wallerstein insiste na necessidade de uma revisão conceitual sobre tal termo e, consequentemente, sobre a noção classe: “quando um conceito mostra uma inadequação persistente – e em todas as principais interpretações ideológicas concorrentes desta realidade – talvez seja o tempo de revisar o conceito e reavaliar quais são realmente suas características fundamentais” (WALLERSTEIN, Immanuel. The Bourgeois(ie) as Concept and Reality p. 103. New Left Review, n. 167, 1988, p. 96). Desse modo, propondo um conceito de burguesia reconsiderado, ele afirma sucintamente: “capitalistas não querem competição, mas monopólio. Eles buscam acumular capital não via lucro, mas via rentismo. Eles não querem ser burgueses, mas aristocratas” (Ibidem, p. 103).


[10] BALIBAR, Étienne; WALLERSTEIN, Immanuel. Race, Nation, Class. London: Verso, 1991, p. 80.


[11] “Agora sabemos que duas forças muito diferentes se uniram para resgatar o modelo neoliberal da instabilidade que de outra forma seria seu destino: o crescimento dos mercados de crédito para pessoas pobres e de renda média e o surgimento de derivativos e mercados futuros para os muitos ricos. Essa combinação produziu um modelo de “keynesianismo privatizado” que ocorreu inicialmente por acaso, mas que gradualmente se tornou uma questão crucial para as políticas públicas. Em vez de governos contraírem dívidas para
estimular a economia, indivíduos e famílias o fizeram, incluindo alguns indivíduos consideravelmente pobres” (CROUCH, Colin. The Strange non-death of neoliberalism. Cambridge: Polity Press, 2011, p. 114).


[12] “O novo constitucionalismo serve para institucionalizar a liberalização e a extensão dos mercados de capital, bens e trabalho para permitir a acumulação estendida de capital, por exemplo, leis que permitem a privatização de ativos estatais ou a alienação ou expropriação de terras comuns, de serviços e recursos públicos como água ou recursos naturais de propriedade pública” (GILL, Stephen. Market civilization, new constitucionalism and world order. In: CUTLER, Claire; GILL, Stephen. New constitucionalism and World order.
Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 39).


[13] STREECK, Wolfgang. Buying Time. London: Verso, 2014.

 

[14] FRASER, Nancy. Crise de legitimação? Sobre as contradições políticas do capitalismo financeirizado. Cadernos de Filosofa Alemã, v. 23, n. 2, 2018, p. 172, nota 18.